A varanda do Museu de Arte Contemporânea de Niterói inaugura na próxima quinta, dia 28 de abril, às 10h, a exposição “Hu: A Minha Alegria Atravessou o Mar”. A mostra visa promover um diálogo direto entre lógicas de matriz africana e a arquitetura de Niemeyer. A seleção é uma extensão da pesquisa curatorial Marujada, de Ana Beatriz Almeida. Neste momento ela dedica-se a lógicas Fon, Gbe e Ewe, presentes no Benin. E para estes povos Hu significa Mar. Diversos artistas participam da mostra. A realização é da Prefeitura de Niterói, Secretaria Municipal das Culturas e Fundação de Arte de Niterói. A exposição faz parte do cronograma do ciclo “Modernismo(s): A Semana de 22 e Depois” e do programa Cultura é um Direito.
Pensada especialmente para a varanda do MAC Niterói, a exposição demonstra que a matriz africana não cultua o mar como um elemento passivo, mas como uma consciência superior ao próprio homem – e mesmo os colonizadores envolvidos na exploração do território africano e seu povo deviam efetuar acordos com o mar. Para estes povos, Hu ou Agwe é um intermediário entre o mundo visível e o invisível, entre o manifestado, o que já aconteceu e o que ainda está por vir. Desta forma, tanto os que já se foram quanto os que virão a nascer habitam o mar. O controle do mar e o conhecimento de suas rotas de navegação constituíram, para estes povos, uma forma de poder durante a colonização.
De acordo com Paul Gilroy, os barcos funcionam como um modelo de como tempo e espaço se reconfiguram numa unidade que ultrapassa os limites nacionais e funciona como um microssistema político vivo, portador de uma estrutura e uma dinâmica própria. Ao relacionar o papel político e histórico dos barcos, como dispositivos de transporte cultural e intelectual, o autor chama a atenção sua função no desenvolvimento de estratégias de resistência das populações negras ao longo do Atlântico. A natureza intrépida e articulada dos marinheiros e seus barcos habita a finalidade da própria existência atlântica que é vencer a passagem do meio e chegar do outro lado. A literatura náutica colonial é rica em descrições deste momento na travessia, onde era maior o risco de naufrágio, onde comumente perdia-se parte da tripulação. Ao interseccionar este fato com a cosmovisão Gbe/Ewe/Fon, entende-se que este ponto da travessia constitui uma fricção de tempo e espaço, constituindo a manifestação prática do vodoun Hu. Um momento onde o mundo dos vivos encontra o mundo dos mortos. Assim, ao traçar estratégias para fugir deste entreposto, os marinheiros ou marujos compreendem de certa forma uma classe de pessoas capazes de realizar tratos com Hu entre o visível e o invisível. Ao contemplar este movimento do ponto de vista Gbe/ Ewe/ Fon, percebemos que a capacidade de percepção dos sinais do Mar e a habilidade de desviar da Passagem do Meio faz de marujos e marinheiros seres capazes de contornar a morte.
Neste movimento, os navios que completam a travessia trazem consigo, aqueles que viveram e toda sabedoria empregada na manutenção da vida. A chegada ao outro lado, torna-se a vitória sobre a morte e um acordo bem-sucedido com Hu. Por este motivo, propõe-se nesta curadoria um movimento de contemplação existencial, a partir do exercício de sobrevivência destes que atravessaram o Atlântico com sucesso. As obras seguem uma expografia em espiral que parte de uma performance central que trás consigo a força e efemeridade das marés, numa narrativa que termina no começo os povos sobreviventes apresentam seu tratado de vida com o mar.
SOBRE OS ARTISTAS
Aretha Sadick
Aretha Sadick é multiartista carioca. Manifesta-se por meio da cena artística como intérprete na performance, música e tecnologias griot, apontando para a urgência na retomada de poder de pessoas negras na construção de suas imagens e de seus imaginários para produzir cura. Em seu trabalho visual, questiona a performatividade do feminino, em diálogo com suas pesquisas sobre a diáspora e como isso atravessa as vivências da artista enquanto mulher negra e trans no Brasil. A artista é representada pela plataforma 01.01 Art Platform, tendo obras comissionadas para o SESC-SP, além de integrar coleções particulares; tendo também participado das principais feiras de arte do país com seus trabalhos em museus como MAR-RJ e Inhotim.
Carla Santana
Carla Santana (São Gonçalo, 1995), graduanda em Artes na Universidade Federal Fluminense. Adentrou o universo artístico a partir do teatro, onde atuou em duas companhias: Terraço Artes Integradas e Mundé. Co-fundadora e articuladora do movimento nacional Trovoa. Sua produção é composta por múltiplas visualidades como o desenho, pintura, colagem, escultura, fotografia, vídeo e performance. Parte da ideia de que toda imagem é texto; e do corpo como dispositivo fundamental de expressividade. Busca externalizar e investigar as relações sutis entre o corpo-subjetivo e o corpo-social, uma via de mão dupla. Exprimindo que a intelectualidade é gerada e movida da cabeça aos pés.
Cici de Oxalá
Nancy de Souza nasceu em 1939, Rio de Janeiro (RJ), vive e produz em Salvador (BA). Egbomi do terreiro Ilê Axé Opo Aganju,ela também é Apetebi no culto de Ifá. Cici de Oxalá é educadora, contadora de histórias e consultora da Fundação Pierre Verger, em Salvador (BA) e mestre da Ação Griô Nacional (programa de valorização do saber popular vindo da tradição oral). Em 2017 participou da exposição Axé Bahia: The Power of Art in an Afro-Brazilian Metropolis no Fowler Museum (Los Angeles- EUA), em 2019 participou de Ounje – Alimento dos Orixás, no Sesc Ipiranga, além de produzir um conto griot para a exposição Crônicas Cariocas em 2021, e inúmeras outras participações e palestras. Em março de 2022 ela ganhou o título de cidadã baiana honorária.
Gabriella Marinho
Gabriella Marinho (São Gonçalo, 1993) é artista plástica e jornalista, traz em seu processo criativo a relação da mulher negra enquanto corpo-potência na modernidade. Gabriella reflete sua existência a partir do espaço, subjetividade e corporeidade, usando o barro como ponto de partida para tais experimentações. Seus trabalhos carregam cores e formas que fazem alusão a natureza e seus elementos primordiais traduzidos em linguagens como escultura, pintura, poesia, fotografia e audiovisual.
Mapô
Mapô, nasceu em 1995, cresceu e vive no Morro do Boa Vista em Niterói/RJ, pesquisa teatro, performance, pintura e arte digital. Por meio da poética da macumba brasileira, da fé nos orixás, das entidades sagradas e das cosmopolíticas afro-ameríndias, manipula ferramentas tecnológicas como wajì, efum, osun e yerossun para a criação de cenas e performances.
May Agontime
May Agontinme (1993) é artista integrante do coletivo Nacional Trovoa e 01.01 Art Platform, educadora, historiadora da arte nascida em Campinas (SP) e baseada na zona leste de São Paulo. Tem como foco em suas produções o têxtil contemporâneo, partindo principalmente da técnica do crochê, entendendo-o como um trabalho ancestral e manual. Em 2020 teve sua produção artística mencionada na quarta edição da revista online “Experiências Negras”, do Instituto Tomie Ohtake. Nos meses de março e abril de 2021, fez parte da exposição coletiva “Primeiro Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas”, na Galeria Jaqueline Martins. É uma das artistas brasileiras/os que participam do projeto “Alternative Routes”, edição de textos de artistas latino americanos negros e indígenas, realizado pela Colección Patricia Phelps, de Cisneros. Atualmente é integrante do educativo do Sesc Pompéia durante as exposições “Lamento das Imagens”, de Alfredo Jaar e “Fabricação Própria”, de Lotus Lobo.
Mulambö
O artista nasceu João em 1995 e cresceu Mulambö na Praia da Vila em Saquarema. Trabalha a partir da restituição de potências, buscando a valorização de símbolos do existir do subúrbio e da Região dos Lagos no Rio de Janeiro. Explorando desde a pintura, criação de bandeiras e objetos até a internet como plataforma de trabalho, antes de ser artista, é neto, filho, padrinho e irmão e faz arte para afirmar que não tem museu no mundo como a casa da nossa vó.
Pureza
Pureza vive e produz em Salvador, Bahia. Em 2005 foi um dos fundadores do Ministereo Público Sistema de Som, primeiro soundsystem da Bahia, especializado em música jamaicana e suas vertentes. No ano de 2007 passa a residir na Espanha, tornando-se referência como pesquisador e colecionador de vinil de brasilidades na cidade de Tenerife. Nas ilhas Canárias foi DJ residente do Festival TenSamba abrindo shows de grandes nomes da música brasileira. Participou de festivais nas Ilhas Canárias como Reggae Wise, Canárias Tropic, Canárias atthe Hotel, Canárias Heineken Jazz, etc. Sua última colaboração no arquipélago foi no CD “Projeto Brasileiro”, uma obra músico-documental do contrabaixista Tomás López. Um dos idealizadores dos bailes Quintas Dancehall, realizado durante 12 anos nas principais boates da cidade; Arena Sound System, na Arena Fonte Nova; e o Baile Saúda Yemanjá, realizado há 16 anos na festa de Yemanjá nas ruas do Rio Vermelho e do Mutirão Mete Mão realizados desde de 2006 nas periferias de Salvador, região metropolitana, recôncavo e interior da Bahia. Pesquisador pela UFRB, sua zona de interesse é Musica Popular Brasileira, Pureza tem situado seu trabalho entre performance pública coletiva e arqueologia das produções culturais brasileiras.
Raphael Cruz
Raphael Cruz (1990, Rio de Janeiro). O compromisso do artista plástico e visual Raphael Cruz com a arte está diretamente conectado à valorização e resgate da cultura brasileira. Seu trabalho tem a espiritualidade ancestral, a música e as manifestações culturais brasileiras de matriz africana como principais referências. Segundo o próprio artista, sua obra “busca se aproximar o máximo possível da estética da brasilidade e raízes africanas sem a interferência do eurocentrismo”. Raphael está participou das exposições coletivas “Crônicas Cariocas”, no Museu de Arte do Rio – MAR, e “Vazar o Invisível”, no Studio OM.Art, no Jockey Club Brasileiro, Rio de Janeiro, além de Sunsun da Art Rio 2021 e “Do Recôncavo para cá “na SP Art 2021 pela 01.01 Art Platform. Na 17ª edição da SP-Arte em 2021. Raphael Cruz é representado em São Paulo pela Bianca Boeckel Galeria.
SERVIÇO:
Exposição “Hu: A Minha Alegria Atravessou o Mar”
Curadoria: Ana Beatriz de Almeida
Abertura: 28 de abril, sábado
Horário: a partir das 10h
Período expositivo: de 28 de abril a 26 de junho de 2022
Visitação: de terça a domingo, das 10h às 18h
Local: MAC de Niterói – Varanda
Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/nº, Boa Viagem, Niterói, RJ
Ingresso: R$ 12 (inteira) | R$ 6 (meia-entrada) – Têm direito à meia-entrada idosos a partir de 60 anos, jovens de baixa renda com idade entre 15 e 29 anos inscritos no CadÚnico, estudantes de escolas particulares, universitários e professores. É exigida a comprovação do direito ao benefício na bilheteria do museu.
Entrada gratuita para estudantes da rede pública (ensino médio), crianças de até 7 anos, portadores de necessidades especiais, moradores ou nascidos em Niterói (com apresentação do comprovante de residência) e visitantes de bicicleta. Na quarta-feira, a entrada é gratuita para todos.
Venda: pelo site da Sympla ou na bilheteria do Museu. A entrada ao Museu deve ser feita até as 17h30.
Informações: (21) 2722-1543 | facebook.com/macniteroi.oficial | @macniteroi